domingo, 20 de abril de 2008

Homenagem às mulheres riostrenses é proibida

O que deveria ser uma festa de cidadania em homenagem à mulher, tornou-se uma demonstração de que o país, depois de tantos anos de ditadura, ainda não está livre de medidas antidemocráticas. Poucas horas antes da realização da palestra "A Força da Mulher", na Casa de Democracia e Cidadania, uma oficial de justiça, cumprindo determinação da juíza Maria Valéria Veiga de Oliveira, proibiu a realização do evento. Em uma decisão no mínimo estranha, a juíza não notificou os organizadores do evento - a ONG Sopro de Vida -, mas, sim, um dos convidados para o encontro, o secretário Estadual de Trabalho e Renda, Alcebíades Sabino. O mandado foi concedido a pedido do PR - Partido Republicano de Rio das Ostras, da base de apoio do candidato à reeleição Carlos Augusto.

Além de Sabino, que seria o mediador do encontro, a atriz e cantora Zezé Motta, a delegada de polícia Cláudia Faissal e as vereadoras Cristiane Brasil (Rio) e Marilena Garcia (Macaé) discutiriam temas como saúde da mulher, violência contra a mulher e ampliação da participação feminina na sociedade.

A medida pegou os organizadores e convidados de surpresa. A oficial de justiça chegou à Casa de Democracia e Cidadania, localizado em Extensão do Bosque, por volta das 18h, a duas horas do início do evento.

"O que me causou estranheza foi ter sido citado no mandado. Fui convidado pela ONG para ser mediador da palestra, como todos os outros. Não sou organizador e não tenho responsabilidade pelo evento. Eu lamento que as mulheres de nossa cidade, que têm poucas chances de discutir a sua participação na sociedade, tenham perdido esta grande oportunidade", declarou Sabino.

Como a decisão foi mantida, os organizadores resolveram agradecer a presença dos palestrantes e das cerca de 800 pessoas que aguardavam o desenrolar dos fatos e lotaram a praça em frente ao local de evento.

Convidados revoltados
Todos os convidados mostraram-se revoltados com a decisão da juíza. Indignada, a atriz Zezé Motta lamentou uma situação que pensava que não viveria mais. "Eu pensei que nunca mais sentiria a sensação que estou sentindo agora. De ser proibida de falar, de ser proibida de cantar. Isto é um retrocesso. Parece que estamos retrocedendo trinta, quarenta, cinqüenta anos. Nós não podemos deixar que isso aconteça novamente no país. Liberdade!", destacou a atriz, que se emocionou ao lembrar dos anos de chumbo da ditadura. Clique aqui para ver os depoimentos na íntegra.

Esta seria a oitava edição do Ciclo de Palestras Democracia e Cidadania, que está sendo realizado desde julho de 2007 e já promoveu o debate de temas como segurança pública, cultura brasileira, consciência negra e inclusão social através do esporte. Já participaram do projeto personalidades da cultura, do esporte e da política nacional, como Milton Gonçalves, Tonico Pereira, Diego Hypólito, Fernando Scherer, Marcelo Crivela e Aspásia Camargo.

Depoimento na íntegra da atriz Zezé Motta
"Eu quero dizer que estou tristíssima, porque eu sou de uma geração que viveu na carne a ditadura, que sofreu. E nós fomos espancados, e nós fomos presos, e nós fomos proibidos de representar. E nós fomos para as ruas e nós brigamos pela democracia. E depois de muita luta eu tinha certeza que nós tínhamos conquistado essa democracia. Então, pensei que nunca mais eu ia sentir a dor que estou sentindo, de ser proibida de falar, de ser proibida de cantar, de ser proibida de debater um assunto de suma importância para todos nós que é a questão da mulher. Enfim, todas as questões que estão sendo debatidas nesse projeto são de suma importância, que é a questão da mulher, a questão do negro.... Eu quero lançar aqui o meu protesto, mas como eu tenho certeza de que nós vamos conseguir continuar esse projeto, eu vou cantar com muita tristeza uma música que eu cantei durante a ditadura, cantamos o tempo inteiro na campanha pela anistia, quando os nossos companheiros eram proibidos de pisar no próprio país de origem. Nós cantávamos também na campanha pelas Diretas. E nós vamos continuar cantando enquanto estiver acontecendo isso no país, de ser proibida de falar e de se encontrar.”

(Zeze Motta cantou a música "Senhora Liberdade", de Wilson Moreira e Nei Lopes)

Senhora Liberdade
Wilson Moreira e Nei Lopes

Abre as asas sobre mim
Oh! senhora liberdade
Eu fui condenado
Sem merecimento
Por um sentimento
Por uma paixão
Violenta emoção, pois
Amar foi meu delito
Mas foi um sonho tão bonito
Hoje estou no fim
Senhora liberdade
Abre as asas sobre mim
Não vou passar por inocente
Mas já sofri terrivelmente
Por caridade
Ó liberdade
Abre as asas sobre mim

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