sábado, 19 de abril de 2008

PERDAS E DANOS

Por Alcebíades Sabino dos Santos*

Minha geração, por conta das limitações impostas pela ditadura militar, transformou a livre manifestação do pensamento, em todas as suas formas, numa das mais importantes conquistas da segunda metade do século passado. A palavra censura soa como uma heresia e representa o avesso dos ideais libertários, que cultivo até hoje como uma herança da minha formação acadêmica e política.

Está introdução tem o objetivo de situar no campo do bom debate uma questão que envolve liberdade de expressão. Não sou um assíduo telespectador de novelas, mas tomei conhecimento, por conta de inúmeros telefonemas, de um diálogo do folhetim Duas Caras, da TV Globo, levado ao ar na noite de terça-feira, dia 27 de novembro. No capítulo, o personagem Juvenal Antenas, interpretado pelo ator Antônio Fagundes, oferece o seu “cafofo em Rio das Ostras” para esconder Dorgival, que acabara de tentar esfaquear a esposa Alzira, por conta de ciúmes.

O Dicionário Houaiss ensina que cafofo, no sentido mais adequado ao contexto da trama, significa lugar pouco conhecido, esconderijo. Como exemplo, utiliza a frase: “Arranjei um cafofo, e vou sair de circulação”. Fica evidente que o autor Aguinaldo Silva utilizou o nome da cidade para passar a idéia de lugar ermo e distante, ideal para o acolhimento de fugitivos.

O autor tem todo o direito de exercitar a sua veia criativa e utilizar a cidade que melhor lhe convier, na hora de redigir seus textos. Nova Iorque já foi visitada por discos voadores e animais pré-históricos, por conta da ficção, que na maioria das vezes está interessada apenas no entretenimento, e não nos rigores históricos e científicos.

Minha preocupação, no entanto, está além das considerações que envolvem os produtos culturais destinados à pura diversão. As novelas, não é de hoje, transformaram-se em disputados balcões de negócio. Elas ditam os hábitos de consumo de milhões de brasileiros. Tanto é verdade, que o merchandising televisivo é uma poderosa e cara ferramenta de marketing. Todo mundo quer usar um relógio igual ao do personagem, acredita nas maravilhas que ele fala sobre determinado banco e não pensa duas vezes na hora de escolher a margarina. Entre todas as que estão na prateleira, a melhor é a que freqüenta a mesa de café do protagonista.

A população viu, nos últimos anos, parte dos recursos da cidade ser aplicado em divulgação. O esforço para transformar Rio das Ostras numa “marca” respeitada envolveu muito trabalho e dinheiro. De repente, sem a mínima responsabilidade comercial e com toda a liberdade criativa, repito admissível, veicula-se para o Brasil que Rio das Ostras é lugar de cafofos e oásis de meliantes.

Seria importante que os autores de novela passassem a nos enxergar, a partir de agora, não apenas como cidade, mas também como produto. Não queremos a proteção que gozam os anunciantes, mas ficaríamos muito satisfeitos se o dinheiro público que investimos, para enaltecer as qualidades de Rio das Ostras, fosse encarado como um investimento da coletividade sujeito a perdas e danos.


*Alcebíades Sabino dos Santos é Deputado Estadual e ex-prefeito de Rio das Ostras.

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